Gatos, advogados e os desafios da gestão de escritórios
Testes comportamentais podem ser ótimas ferramentas para auxiliar as lideranças dos escritórios na tarefa de gerenciar os advogados rumo a atividades importantes e complementares ao trabalho jurídico.

Em seu artigo Are Law Firms Manageable? (algo como “Os escritórios de advocacia são gerenciáveis?”), publicado no longínquo ano de 2006, o renomado consultor (aposentado) David Maister, com vasta experiência atendendo firmas de serviços profissionais e, especialmente, escritórios de advocacia, afirmou o seguinte (em tradução adaptada):
As maneiras de pensar e agir que ajudam os advogados a se destacarem em sua profissão podem ser justamente as razões que limitam o que eles podem alcançar enquanto escritórios. Os desafios da gestão ocorrem não apesar da inteligência e formação dos advogados, mas por causa delas.
— David Maister
O texto tem quase 20 anos — o autor desenvolve todo um raciocínio, para quem tiver a oportunidade de lê-lo — e, ao longo desse tempo, tivemos muita evolução na gestão de escritórios, mas como estamos hoje em dia? A afirmação do David Maister permanece válida?
É fato que a maioria dos advogados que atuam em escritórios — dos recém-chegados aos veteranos — não estudou Direito e passou no exame da OAB para gerenciar seus negócios! Ainda assim…
É inegável que o sócio (de capital) de um escritório de advocacia ocupa um papel único: ele (ou ela), ao mesmo tempo em que é dono de um negócio (que idealmente deve ser lucrativo e se adaptar às constantes mudanças do ambiente interno e externo), é também gestor, área de produção, produto, área de marketing (em parte), área de vendas (em parte) e vendedor (em grande parte). Esqueci de algo?!
E como parte desse “pacote” de gestão de negócios jurídicos, invariavelmente alguns advogados mais graduados — sócios de maior senioridade, em geral — ganham a incumbência de gerenciar todo o corpo jurídico de seus escritórios (muitas vezes com o apoio valioso de profissionais especializados), incluindo os demais sócios, o que usualmente tende a ser uma tarefa árdua, muitas vezes comparada a “pastorear gatos”. Já ouviu esse termo antes?
Esse é exatamente o mote de um anúncio da TV norte-americana que assisti durante a conferência anual da Legal Marketing Association (LMA) em 2006 ou 2007, com caubóis e… muitos gatos! Não lembro ao certo o ano, mas até hoje lembro do anúncio. Confira abaixo, no original, em inglês:
Alguns anos depois, na conferência da LMA de 2017 (ou algum ano próximo), tomei conhecimento do trabalho desenvolvido pelo Dr. Larry Richard, um “recovered lawyer” norte-americano — o termo indica um “advogado recuperado”, que não advoga mais e se dedica a outras atividades — e PhD em Psicologia. Na ocasião, soube de um artigo que ele publicou em 2002, intitulado Herding Cats: The Lawyer Personality Revealed (algo como “Pastoreando Gatos: Revelando a Personalidade do Advogado”; vide link alternativo para um PDF com um formato bacana).
Até o momento do artigo, o Dr. Larry Richard levantou o perfil de mais de 1000 advogados seniores — de escritórios e empresas, creio que em sua maioria dos EUA — usando o teste de avaliação comportamental Perfil Caliper. Como resultado, ele identificou seis características dos advogados que se destacam em relação ao público em geral: ceticismo elevado, autonomia elevada, raciocínio abstrato elevado, urgência elevada, baixa resiliência e baixa sociabilidade. São características familiares para a nossa realidade brasileira ou “coisa de americano”?
Essas características corroboram muitas das dificuldades enfrentadas pelas lideranças dos escritórios ao tentar direcionar (gerenciar) os advogados, especialmente os sócios, para atividades complementares ao necessário trabalho jurídico do dia a dia, mas igualmente importantes para o futuro do negócio (e diretamente ligadas ao fator mudança): inovação, tecnologia, marketing, desenvolvimento de negócios e demais iniciativas de gestão.
Estamos falando de iniciativas com pegada mais institucional, que não evoluem a contento ou evoluem de forma rasa ou muito lenta, com a maioria ficando pelo caminho e pouquíssimas trazendo resultados realmente diferenciados frente a um mercado cada vez mais exigente. Por exemplo, em linhas gerais, os sócios de um escritório vendem seus serviços (e de suas áreas imediatas) seguindo cada um os seus próprios métodos comerciais — bem no estilo “escolha sua aventura” —, com pouca ou nenhuma coordenação ou estratégia institucional e nem sempre com resultados satisfatórios (do ponto de vista da liderança).
Expandindo esse racional, como estão as vendas colaborativas no seu escritório? Eventuais clientes diversificados em várias áreas resultaram da iniciativa deles ou da proatividade dos sócios de diferentes áreas? E os programas de feedback com clientes, por que são raros ou são derrubados no nascedouro? E as iniciativas de gestão de contas para clientes relevantes? E por aí vai…
São ações institucionais (e de institucionalização) muito comuns — e importantíssimas — no universo corporativo, mas infelizmente raras nos escritórios que as atendem e muitas vezes as assessoram nesses mesmos assuntos!
Concorda? Discorda? Lembre-se de que, ao final, temos um campo reservado para os seus comentários.
Vamos às características destacadas…
CETICISMO ELEVADO
Os advogados estão bem acima da média da população em termos de ceticismo, o que certamente é muito importante para o bom desempenho do trabalho jurídico, especialmente o de viés litigioso, mas que inspira desafios ao lidar com iniciativas não jurídicas — ou qualquer atividade que não envolva o trabalho jurídico propriamente dito!
Faz tempos, li um artigo lá de fora — infelizmente não tenho mais a referência —, ilustrado por uma foto do sempre lógico e racional Dr. Spock, de Jornada nas Estrelas, que abordava os problemas enfrentados por advogados ao não desligarem o seu jeito advogado de ser ao lidar com questões não jurídicas (inclusive vida pessoal!). Os usuais desafios da gestão de advogados por advogados começam exatamente aí. E se o gestor não for um advogado então…
Enfim, tudo é questionável, inclusive as boas intenções com o negócio do qual todos são sócios e, imagino, queiram ver crescer — pense em iniciativas de colaboração em prol de negócios diversificados com clientes representativos, como já citado. Voltando à minha provocação lá de cima, eu tenho as minhas vivências e a minha opinião, mas me fale você: ceticismo é algo que encontramos nos advogados brasileiros ou é “coisa de americano”?
AUTONOMIA ELEVADA
Essa característica faz “dobradinha” com a anterior, apresentando o mesmo grau elevado frente ao público em geral e, como consequência, exercendo impacto significativo na capacidade das lideranças dos escritórios de gerenciar advogados e buscar novos e melhores rumos por meio de práticas mais do que comprovadas no amplo mercado corporativo.
De resto, é aquilo: querer ser independente trabalhando de forma autônoma ou em pequenas estruturas é uma coisa, mas almejar autonomia elevada (ou absoluta) sendo parte de estruturas com dezenas ou centenas de advogados é algo completamente diferente.
É preciso que o advogado seja menos cético e desenvolva confiança em si próprio (necessário), nos demais advogados (incluindo seus sócios no empreendimento!), nos profissionais administrativos (colaboração multidisciplinar é sempre bem-vinda) e na gestão/liderança (fundamental em estruturas maiores e com ambições de crescimento). No final do dia, é sobre compartilhar ou até mesmo descentralizar a ânsia por controle (e poder) e trabalhar em prol da instituição e, idealmente, de sua continuidade no longo prazo.
Um comportamento curioso que já vi muitas vezes ocorre quando o sócio é convocado pela liderança para cuidar de determinada iniciativa e responde positivamente, mas, na prática, pouco faz em relação ao projeto que lhe foi confiado. E o pior, pouco ou nada acontece com ele, pois usualmente a responsabilização (o tal do “accountability”) é um conceito que só existe para os profissionais administrativos. Já teve ou testemunhou experiências assim?
RACIOCÍNIO ABSTRATO ELEVADO
Essa característica, na verdade, não é mencionada no artigo do Dr. Larry Richard, mas aparece em outros textos dele ou de terceiros — uma boa referência é o excelente livro The Book on Law Firm Culture, escrito por Yvonne Nath.
Seguindo a mesma proporção das características anteriores, o raciocínio abstrato é, talvez, a característica por excelência da profissão de advogado, extremamente útil para lidar com questões jurídicas, mas é preciso lembrar que muitas vezes o cliente deseja apenas uma avaliação objetiva de um determinado assunto.
URGÊNCIA ELEVADA
É fato que os advogados de contencioso não tem muito o que fazer em relação à morosidade usual da Justiça, mas para as demais atividades — jurídicas e não jurídicas — realmente parece sempre haver um intenso senso de imediatismo, impaciência, cobranças…
Durante as minhas experiências internas em escritórios, lembro de inúmeras vezes em que eu/meu time fomos pressionados para fazer o que nos foi pedido por um sócio, com a máxima urgência, atropelando diretrizes e demandas de outros sócios, sendo que a urgência só existia na cabeça do demandante. Poderia muito bem ser gerenciada, junto com todas as demais demandas, mas enfim.
Um outro bom exemplo, e bem próximo ao advogado, é a geração proativa de negócios. Mesmo quando muito bem feito, fruto de planejamento (objetivo) e conduzido a contento, o desenvolvimento de negócios leva tempo… especialmente quando os serviços jurídicos comercializados são de maior complexidade! Aí faz como? Pressiona o potencial cliente?!
BAIXA RESILIÊNCIA
Finalmente chegamos às características onde os advogados estão abaixo da média da população pesquisada via Perfil Caliper. Aqui tem a ver com alimentar uma atitude defensiva, lidar mal com feedbacks e cultivar elevada sensibilidade frente a críticas. É assim mesmo?
Nunca participei de uma reunião de placement, mas imagino que essa característica se manifeste com intensidade nesse contexto, assim como em reuniões entre sócios — já testemunhei algumas e é impressionante como, em muitas ocasiões, o foco da reunião é completamente desviado de seus objetivos e o “pau come”!
Baixa resiliência é uma característica problemática, pois joga contra a crescente necessidade — dos escritórios e de seus profissionais — de abraçar a mudança (e suas incertezas), assumir riscos, realizar experimentos e o que mais vem com a tão necessária inovação, tema usualmente mais discutido do que colocado em prática — mas não pelo resto do mercado jurídico 😉
BAIXA SOCIABILIDADE
Essa foi uma característica que me pegou de surpresa, pois confesso que nunca enxerguei advogados como tendo baixo grau de sociabilidade. De repente, voltando à minha provocação lá de cima, é “coisa de americano”. Será?
Como não tenho base para comentar, vamos à explicação do Dr. Larry Richard. Ele indica que essa característica baixa não necessariamente tem relação com ser anti-social. Sociabilidade seria o desejo de interagir com pessoas, estando confortável em iniciar novas conexões com outras pessoas.
Logo, baixa sociabilidade indicaria, de um lado, o foco do advogado no trabalho jurídico — muitas vezes uma atividade individual/solitária — e, de outro, a preferência do advogado por investir em relacionamentos já estabelecidos ao invés de desenvolver novos. Confere?
O curioso, quanto pensamos em geração de negócios, é que sempre ouvi falar que um dos grandes desafios reside precisamente no fato de que os advogados costumam priorizar negócios com novos clientes em detrimento dos clientes atuais. É uma atitude que definitivamente não combina com um baixo grau de sociabilidade, segundo definido no artigo…
No entanto, cabe ressaltar que os advogados com perfil “rainmaker” funcionam em uma frequência diferente da média geral dos advogados — e não teria como ser diferente, concorda? O artigo do Dr. Larry Richard, inclusive, começa abordando exatamente essa questão, mas não vou abordá-la neste texto. Ficará para uma próxima oportunidade, assim como as diferenças comportamentais entre advogados de escritórios e de empresas e entre advogados e advogadas. Até lá, recomendo a leitura dos artigos Desvendando o genoma dos “rainmakers” e Os desafios do desenvolvimento de negócios para as mulheres advogadas.
Além do Perfil Caliper, outros testes populares estão disponíveis no mercado brasileiro, com objetivos similares e seus usuais prós e contras. Dois exemplos são o DiSC (Dominance, Influence, Steadiness and Conscientiousness) e o Myers-Brigg Type Indicator (MBTI). Existe um teste brasileiro chamado Método Quantum, que eu fiz num dos escritórios nos quais trabalhei, que deu um resultado interessante e proporcionou boas reflexões 😊
Especificamente sobre o Caliper, o que eu sei é que ele é bastante tradicional e popular, tem uma longa estrada como ferramenta de apoio ao ciclo de vida de funcionários (e perfis similares, como advogados, de estagiários a sócios) e até o momento foi usado para identificar o perfil de mais de 4,5 milhões de profissionais ao redor do globo, o que só reforça a sua capacidade de comparação e segmentação entre diferentes perfis profissionais.
No final do dia, e ainda que os relatórios gerados sejam referências com maior ou menor grau de precisão, vejo esses testes como uma excelente ferramenta para auxiliar a gestão de pessoas nos escritórios, especialmente quando aplicadas aos profissionais de maior senioridade ou em cargos-chave, sejam eles advogados/sócios ou profissionais administrativos.
Para tanto, além do investimento financeiro envolvido na realização dos testes, é preciso investir tempo e exercer (bancar!) a devida liderança/gestão em prol de decisões mais assertivas com base nos resultados obtidos, garantindo que profissionais-chave sejam alocados da melhor maneira possível em funções e iniciativas que estejam alinhadas com suas características comportamentais. Indo além, são instrumentos que podem também ajudar na identificação de talentos potenciais, propensos a investimentos dirigidos em capacitação e o que mais for necessário.
Afinal, se pensarmos apenas na geração de negócios — habilidade essencial para quem quer virar sócio de capital —, nenhum advogado nasce sabendo vender seus serviços, não é? Qual é o papel do advogado aqui? E do escritório?
E você, qual a sua opinião sobre esses testes comportamentais? Já fez algum? Qual? Compartilhe suas impressões e vamos conversar!
🤔 O QUE VOCÊ PODE FAZER COM ESSA INFORMAÇÃO?
Algumas ideias:
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Se você for advogado(a), tire um tempo para refletir sobre como o seu comportamental percebido (por você) se compara com as seis características indicadas acima. Se for o caso, peça a opinião de colegas e pessoas próximas para ter mais precisão na identificação (ainda que objetiva) do seu perfil. Enfim, está parecido? Muito diferente? Diferente para melhor? Diferente para pior? Há espaço para provocar mudanças positivas no seu dia a dia, mesmo que lentas? Indo além, faz sentido realizar o Perfil Caliper ou outro teste similar para ter mais precisão na identificação do seu perfil comportamental e promover mudanças mais assertivas em prol da sua carreira e do seu escritório?
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Se você for profissional de Marketing+BD Jurídico, tire um tempo para refletir sobre como o seu dia a dia — e de sua área — é impactado pelas características indicadas acima, como parte da interação regular com advogados, especialmente sócios. O que é possível fazer para melhor lidar com certos comportamentos? Quais comportamentos são mais difíceis de enfrentar e, portanto, demandariam mudanças (ou mais compreensão) da parte dos advogados? Há espaço para conversar com a liderança e buscar soluções? Enfim, a liderança do seu escritório busca proativamente lidar com essas questões, promovendo crescente colaboração multidisciplinar entre advogados e profissionais administrativos?
Se você gostou deste artigo, o melhor elogio que eu poderia receber seria você compartilhá-lo com um amigo ou colega de trabalho que possa se beneficiar das informações apresentadas 😊
Obrigado pela leitura,
Marco Antonio Gonçalves ☕️🏴☠️🚀
Facilitador de novos horizontes na /betwixt/
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☎️ Quer conversar? Agende um café virtual!
💬 VAMOS CONVERSAR SOBRE GESTÃO?
Gostaria de aprofundar a conversa sobre gestão de escritórios e demais temas tratados no artigo acima? Se for do seu interesse, podemos:
COLABORAR na construção de um processo de geração de negócios para o seu escritório ou grupo dedicado, como práticas jurídicas, práticas de indústria ou iniciativas multidisciplinares (“Jornada Novos Horizontes: BD”)
TREINAR o time de advogados do seu escritório para identificar oportunidades e gerar novos negócios (“Treinamento Novos Horizontes: BD”)
DIRECIONAR estrategicamente o Marketing+BD jurídico do seu escritório, por meio de um processo sob medida para as suas demandas atuais (“Liderança”)
CONVERSAR individualmente sobre Marketing+BD jurídico, no seu tempo, com objetividade (“Insight”) ou profundidade (“Mentoria”)
Conheça as soluções /betwixt/ e entre em contato por e-mail ou WhatsApp. Se preferir, agende um café virtual. Será um prazer conversar com você!
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